quinta-feira, 16 de junho de 2011

O financiamento do Sistema será sempre insuficiente porque ele está absolutamente privatizado

Hoje, 95% dos procedimentos especializados de alto custo do SUS são comprados do setor privado.

por Francisco Júnior, conselheiro nacional de saúde representante dos trabalhadores e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde

O SUS (Sistema Único de Saúde) tem realizado verdadeiras façanhas no País. Ele é, sem dúvida, um dos principais responsáveis pelo avanço da qualidade de vida do brasileiro nos últimos 15 anos. No entanto, o Sistema vem sendo implantado de forma equivocada, que violenta sistematicamente a sua legislação e o está levando à quase insolvência. Hoje, se não estiver totalmente inviabilizado, é muito difícil gerir o SUS pelas distorções que ano após ano foram criadas dentro dele. Um exemplo disso é que seus atuais gestores não devem ao menos saber quantas pessoas no Brasil precisam de procedimentos especializados e não conseguem fazer pelo SUS.

Há milhares de pessoas esperando na fila e outros milhares desistiram e estão morrendo lentamente. Por que existem filas enormes? Por que o Sistema tem pouco dinheiro? Realmente, o SUS é subfinanciando. Isso é absolutamente indiscutível, mas também é indiscutível que estabeleceram uma lógica no Sistema que impossibilita seu financiamento pleno. Excetuando o recurso destinado à atenção básica, que deveria ser o maior e é o menor do Sistema, o financiamento do SUS ocorre pela realização de procedimentos, como internações e exames. Esse modelo, além de não atender as necessidades reais da população, gera distorções na estruturação da rede de serviços. Por exemplo: o Brasil é o país que mais tem aparelhos de tomografia no mundo, per capita. Mas, desgraçadamente, esses tomógrafos não estão na rede pública e sim na privada. Todos os gestores querem esse aparelho na sua rede porque sabem que serão remunerados pelo Ministério da Saúde por cada exame. O financiamento deve ser definido de acordo com a necessidade de cada população, a partir de levantamentos e de planejamentos realizados pelos municípios.

Há uma inversão constitucional que está sendo mortal para o SUS. Para ser viabilizado no Brasil um sistema de saúde público universal e integral, ele teria de ser senão totalmente público, como no caso de Cuba, mas prioritariamente público. Simplesmente porque é impossível viabilizar um modelo como está na Constituição de acordo com a lógica do mercado. O mundo já mostrou isso. Os Estados Unidos já mostraram isso. É o país que mais gasta com saúde no mundo e o que mais tem excluídos do sistema são aproximadamente 45 milhões de norte-americanos.

O sistema tem de ser público, como está na Constituição, e pode comprar do privado aquele serviço que não tiver condições de atender provisoriamente a população. Nesses 20 anos, tem acontecido um processo selvagem de inversão dessa lógica legal. Hoje, 95% dos procedimentos especializados de alto custo do SUS são comprados do setor privado. Na área de transplante, 97% são feitos pelo serviço privado contratado. Isso é impossível de ser pago e explica a demanda reprimida que aumenta cada vez mais. Seria muito mais econômico ter equipe profissional num hospital público, universitário, sendo bem remunerada e fazendo quantos procedimentos fossem necessários.

O financiamento do Sistema será sempre insuficiente porque ele está absolutamente privatizado. Hoje, grande parte dos profissionais do SUS é terceirizada. Não satisfeitos, os ideólogos desse modelo avançaram na privatização da própria administração do que é público. Desde 1998, quando o Estado de São Paulo começou esse processo, empresas privadas passaram a administrar parte do Sistema e a um custo também impossível de ser financiado.

Se medidas duras não forem tomadas, não há dúvida de que o SUS será rapidamente inviabilizado. Entre elas, é fundamental ter mais recursos e, por isso, a regulamentação da Emenda Constitucional (EC) 29 é importante. É imperativo que cada serviço público tenha autonomia administrativa, financeira e orçamentária. A gestão precisa ser profissionalizada e a força de trabalho estimulada com a criação da carreira do SUS, para que o profissional se dedique com exclusividade. O País precisa implantar também o serviço civil na saúde: todos os recém-formados em cursos da área de saúde têm de trabalhar no SUS por pelo menos um ano, preferencialmente, no local onde acabou de formar.

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