domingo, 20 de novembro de 2011

Gilson Carvalho, sua tragétoria pessoal e sua visão sobre o SUS

Em entrevista concedida ao Jornal do COSEMS/SP, O especialista também comenta sobre a assinatura do Decreto nº 7508/11 e compara os investimentos na saúde do Brasil com outros países que possuem sistema universal de saúde

JC – Há quantos anos o Senhor atua na saúde pública? E como consultor do CONASEMS?
Gilson Carvalho: Trabalho com saúde pública oficialmente desde 1969, mas antes disto trabalhei com comunidade na área de saúde. Conto com cinquenta anos de saúde e 42 de saúde pública. Sou da leva do Movimento Municipalista da saúde da década de 70. Foi uma época que tínhamos um CONASEMS com Diretoria oculta. Desta época fazem parte o Nelsão (Nelson Rodrigues), o José Carlos Silva, o Márcio Almeida, o Tomazini. Fazíamos vários eventos, inclusive os primeiros congressos nacionais, mas tudo na informalidade, sem constituir Conselho nem Associação. Passei mergulhado em Saúde Pública de 83 a 88, mas em outra função, não a gestão Municipal, apoiando Municípios na área de Vigilância Epidemiológica. Voltei à Secretaria de Saúde em 89 e logo passei à diretoria do COSEMS/SP (como Secretários de Saúde de São José dos Campos) com a Cidinha (Aparecida Linhares Pimenta), depois Gastão (Gastão Wagner de Souza Campos), Davi Capistrano e finalmente exerci a Presidência em 1991. Neste meio tempo, estive metido informalmente no CONASEMS como apoio às questões de financiamento da saúde. Só fui oficialmente da diretoria em 1992. Depois estive no Ministério da Saúde entre 93 e 94 e já em 1995 assumi uma consultoria à distância no CONASEMS, de 95 a 98. Voltei à consultoria em 2006 e lá estou até hoje e não sei ainda por quanto tempo.

JC – Atualmente, o SUS resguarda os direitos de universalidade, integralidade e equidade de seus usuários?
Gilson Carvalho: Esta pergunta merece uma resposta clara e sucinta: mais do que antes e menos do que devia! Só quem acompanhou a construção deste sistema de saúde pode aquilatar o quanto andamos para frente. O quanto construímos de cidadania fazendo do cidadão antes indigente, um portador de direitos. Estamos “em obras” há vinte anos e ainda temos mais outro tanto para acabar esta construção da universalidade, integralidade e equidade. Se já melhoramos, acho que seremos capazes de melhorar ainda mais, mesmo que forças contrárias queiram sempre fazer com que não consigamos melhorar. O processo é lento e tenho sentido desânimo em muitos que puxavam a fila.

JC – Na sua opinião, qual seria a saída para a melhoria da qualidade no atendimento e também para o financiamento do SUS?
Gilson Carvalho: Dá uma boa tese! Sou daqueles que defendem que para a melhoria da qualidade depende menos de dinheiro e mais de uma postura dos profissionais e dos gestores. Poderíamos fazer melhor o que fazemos principalmente na qualidade da relação no atendimento o que, em absoluto, não depende de dinheiro. É postura. Compromisso do cidadão com a sociedade. Está faltando em todas as áreas, mas, na saúde, tem mais repercussão. Para o financiamento da saúde inventei uma Lei que denomino como Lei dos Cinco Mais: 1-Mais brasil; 2-Mais saúde – SUS; 3- Mais eficiência, 4- Mais honestidade e 5- Mais dinheiro.
Explicando: não se consegue melhor saúde sem mexer no Brasil injusto e iníquo (trabalho, salários, casa, comida, vestuário, esporte, lazer, educação, cultura, saneamento, meio ambiente).
Mais SUS: temos que seguir o modelo SUS que ainda não tiramos por inteiro e universalmente, do papel da Constituição Federal e Leis. Por exemplo: pensar em integralidade com ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Mais eficiência: estamos atrasados anos luz em gestão (público e privado
na área de saúde), administração financeira, de recursos humanos, de materiais, de transporte, de estrutura, de contratos-convênios, dentre outros.
Mais honestidade: que é igual a menos corrupção.
Mais dinheiro: o qual é demonstrável como necessário e imprescindível só trabalhando com o que gastam os planos de saúde no brasil e países do mundo.

JC- Faz-se necessária a criação de um novo imposto para arrecadação de verbas à saúde pública do Brasil?
Gilson Carvalho: Sou totalmente contra. Acho que podemos tirar mais recursos entre impostos e contribuições já existentes. Os Governos no Brasil não são confiáveis e historicamente usaram a saúde para pedir mais dinheiro à sociedade. E quando conseguiram, usaram este dinheiro para outras áreas. Os Governos e parlamentares de todos os partidos não são, em sua maioria, confiáveis e mudam de posição ideológica quando mudam de posição de poder. Basta ver as declarações deles nas últimas semanas.

JC – A aprovação do texto da EC 29 é um marco para a saúde do País. Apesar da vitória na Câmara dos Deputados, não foi incluída a base de cálculo para a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS). De que maneira isso afeta o financiamento do SUS?
Gilson Carvalho: Em termos. A EC-29 tinha como principal objetivo fixar quantitativos de recursos para cada esfera de governo. A proposta inicial foi em 1993 de Eduardo Jorge, deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores e médico sanitarista de São Paulo. A proposta (PEC-169) defendia 30% do orçamento da seguridade social para a saúde e mais 10% dos recursos ficais da União, Estados e Municípios. Na discussão, as pessoas e muitos técnicos foram iludidos,pois enquanto defendiam a proposta do Eduardo Jorge, o Governo já havia modificado o texto original. No final, os números mostram que a EC-29 aprovada não guarda relação com a PEC-169 defendida. A União diminui sua responsabilidade a menos de 50% da proposta e o ano que mais investiu em saúde foi o de 1997, três anos antes da EC-29. Só em 2009 e 2010 recuperou aquele valor por alocação de dinheiro a mais devido ao H1N1. Para Estados e Municípios aumentou a contribuição. Estados tiveram uma majoração de 20% (de 10 para 12%) e Municípios de 50% (de 10 para 15%).

JC – Quais seriam, em sua opinião, os valores ideias de repasse de verbas da União, Estados e Municípios, para plena sustentação do SUS em todo o País?
Gilson Carvalho: Acho que para o começo a proposta aprovada no Senado é boa: União com 10% da receita corrente bruta, Estados com 12% de suas receitas e Municípios com 15%.

JC – Comparado a outros países que possuem sistema universal de saúde, o investimento do Brasil, na saúde, é equivalente?
Gilson Carvalho: O último dado disponível da Organização Municipal de Saúde (OMS), de 2008, cita que a média gasta pelos países do mundo com saúde pública é de 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O PIB Brasil de 2010 foi de R$ 3,6 trilhões. Se aplicarmos a este PIB o percentual de 5,5% teremos o valor de R$ 198 bilhões. O Governo investiu, em 2010, apenas R$ 138 bilhões, restando R$ 60 bilhões de diferença comparando com outros países.
Já o gasto com saúde por habitante, segundo a OMS, países de maior renda mundial gastaram US$ 2.589,00 por habitante. Se usado o mesmo valor, o Brasil deveria ter gasto, em 2010, R$ 749 bilhões e só investiu R$ 138 bi. Nessa comparação, a saúde brasileira precisaria de mais R$ 604 bilhões. Países da Europa, em 2008, gastaram, em média, US$ 1.520,00 por habitante. Sendo assim, em 2010, o Brasil deveria ter gasto R$ 435 bilhões, uma diferença de 297 dos R$ 138 bi que foram investidos. Nos países das Américas, o gasto médio com saúde, em 2008, foi de US$ 1.484 por habitante. Caso o Governo brasileiro utilizasse o mesmo valor, gastaria, em 2010, R$ 425 bilhões, faltando 287 em comparação aos R$ 138 bilhões investidos.

JC – Com relação ao Estado de São Paulo, qual sua opinião sobre a Lei Complementar nº 1.313/10, mais conhecida como ‘Lei da Dupla Porta’, e a tentativa do Governo do Estado em suspender a liminar que derrubou, em agosto deste ano, a referida Lei?
Gilson Carvalho: Sou daqueles que vem denunciando isto há mais de 20 anos com a dupla porta do Incor, Hospital das Clínicas de SP, Hospital Regional do Vale do Paraíba. Como poucos reagiram a isto, a audácia foi grande do José Serra quando pediu a parlamentares de sua base que apresentasse a proposta de estender isto a outros muitos hospitais. Devido a sua candidatura à Presidência, o projeto foi retirado, mas assim que perdeu a eleição, o Governador substituto mandou novamente o projeto e teve, com o rolo compressor, a aprovação. Desde a primeira proposta manifestei-me contra. Fiz parte do grupo que ajudou a construir a ação para acatamento do Ministério Público Estadual (MPE), que esperou o Decreto e a Resolução que indicavam onde seriam implantados. Aí o MPE entrou na justiça, e para surpresa geral, ganhamos a liminar. Para maior espanto, nessas últimas semanas ainda não caiu a liminar. Estamos na expectativa.
É uma vergonha como hospitais públicos, com equipamentos públicos,
possam contrariar por Lei a Constituição de São Paulo, que determina
a gratuidade dos serviços de saúde.

JC – Portarias pactuadas com o Ministério da Saúde como a do SAMU, da Assistência Domiciliar e da Saúde da Família com diferentes condições de carga horária médica, representam avanços para a saúde pública?
Gilson Carvalho: Sou totalmente a favor da flexibilização da carga horária adequada a tempo e lugar. O errado seria num País continental como o nosso, com iníqua distribuição de renda e de profissionais de saúde, que fizessem a regra única. Não adianta fingir que não estamos vendo o que acontece.

JC – O senhor acredita que nos últimos anos houve uma evolução nas discussões e pactuações entre os órgãos gestores da saúde pública, nas três esferas governamentais?
Gilson Carvalho: Sou daqueles que discuto o pacto tripartite à luz de uma tirania da esfera que é detentora do dinheiro. Pactua-se tudo que a esfera que tem dinheiro assim quer e assim decide.

JC – Qual a importância da assinatura do Decreto nº 7.508/11, realizada pela Presidenta Dilma Rousseff? O que muda na prática?
Gilson Carvalho: Tive o privilégio de acompanhar este Decreto desde sua concepção pela Lenir Santos, advogada sanitarista. Mais tarde foram ouvidos membros da direção do Ministério da Saúde, CONASS, CONASEMS e alguns técnicos, cujas críticas e sugestões foram incorporadas por ela. Lenir já vinha, desde anos atrás, mais intensamente a partir de 2005, elucubrando algumas teses sobre o SUS. É muito cedo para uma avaliação mais profunda do Decreto. Demos um passo à frente com atraso de 20 anos. Não é perfeito e nem é completo. Muitos perguntarão por que mais normas se já foram feitas várias, inclusive as mais recentes do Pacto com objetivos, metas e indicadores?
O Decreto é muito maior, mais abrangente e mais eficaz que todas as normas que até hoje foram feitas e é um aperfeiçoamento do sistema, tanto pela sua abrangência como seu nível hierárquico na legislação. O Decreto não é a salvação do SUS. Sempre resumo no final que vida e saúde são esforços que demandam melhor cumprimento do sistema de saúde já definido, mais eficiência em sua execução, vedando-se os caminhos errados do mau uso e da corrupção e também é necessário mais dinheiro. Mais um instrumento do SUS de busca de vida-saúde para as pessoas, com qualidade, o que depende de muitas questões e de muitas pessoas.

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