terça-feira, 6 de setembro de 2011

A regulamentação da PEC 29: mais verbas para o SUS?


Por Luis Eugenio Portela_Bahia 247 
 

Alcançar metas desejáveis para a saúde pública requer mudanças na política econômica, luta pela saúde universal de qualidade não se limita à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 29

 
O Brasil investe em saúde cerca de 8,5% do seu PIB. E, se parece razoável, de acordo com as experiências dos países com sistemas universais de saúde, um aumento até 10%. Fica claro também que não se trata de pouco dinheiro, já que temos o 7º maior PIB do mundo. Nesse sentido, não é nos gastos totais em saúde que se percebe o problema da falta de recursos para o SUS.

A gravidade do subfinanciamento do SUS fica evidente quando se comparam as proporções dos gastos públicos em relação aos gastos totais em saúde. Dos 8,5% do PIB investidos na saúde, apenas 45% são gastos públicos (3,8% do PIB). Ora, nos países onde há sistemas universais (como o SUS pretende ser), as proporções de gastos públicos ficam sempre acima de 70% dos gastos totais em saúde.

De modo similar, a comparação dos gastos per capita dimensiona bem o subfinanciamento do SUS. Em 2003, enquanto a cada brasileiro correspondeu um montante de 270 dólares investido na saúde, a cada britânico, canadense ou sueco corresponderam montantes superiores a 2.000 dólares.

Um terceiro indicador, que reforça a evidência do subfinanciamento do SUS, é a comparação do gasto público per capita com o gasto per capita da saúde suplementar. No sistema público, houve um investimento, em 2009, de R$ 449,93 por pessoa, ao passo que a assistência médica supletiva despendeu R$ 1.512,00 por beneficiário. Esses valores são ainda mais contrastantes quando se leva em conta que cerca de 40% dos recursos públicos são aplicados não em cuidados individuais, mas em ações essenciais de saúde pública para toda a população.

A regulamentação da Proposta de Emenda à Constituição nº 29 (EC-29) tem sido, durante os últimos dez anos, a principal bandeira dos que lutam por mais recursos para a saúde. Essa regulamentação é importante, visto que dois pontos da EC-29 deixam margem a interpretações distintas, com impactos significativos sobre o montante de recursos a ser destinado à saúde.

O primeiro ponto se refere a quais gastos podem ser considerados como "ações e serviços públicos de saúde". A falta de especificação pela EC-29 tem permitido que o governo federal e muitos governos estaduais considerem investimentos em saneamento, tratamento de lixo, assistência médica exclusiva para servidores públicos e outros como gastos em saúde. Espera-se que a regulamentação deixe explícito que, para efeito de cumprimento da EC-29, consideram-se apenas os gastos realizados no âmbito do SUS.

O segundo ponto se refere à base de cálculo a ser utilizada para a previsão mínima de recursos. O governo federal tem adotado a "base fixa", ou seja, calcula os montantes devidos sempre tomando como base os gastos realizados em 1999, ano imediatamente anterior ao da aprovação da EC-29. Se, ao invés disso, adota-se a "base móvel", ou melhor, calculam-se os montantes devidos tomando como base os gastos realizados no ano anterior ao atual, os recursos da saúde são bem mais volumosos.

É possível que, ainda em 2011, a EC-29 seja regulamentada. É visível o crescimento de um movimento social por mais recursos para a saúde e, ao mesmo tempo, a atual dinâmica parlamentar parece estar levando os deputados e os senadores a se posicionarem a favor.

O governo federal, por sua vez, mantém uma política econômica de ampliação do superávit primário. Não aceita, portanto, em princípio, o aumento de verbas para a saúde. E tem ameaçado aprovar a regulamentação, reduzindo a base sobre a qual se aplicam os percentuais a serem destinados à saúde (especificamente, retirando os recursos da educação – Fundef – da base de cálculo). Com isso, a EC-29 representaria uma diminuição das verbas para a saúde!

Contudo, diante da pressão social e parlamentar, o governo tem acenado com outra saída: a busca de alternativas de aumento de receitas para alocar na saúde. Fala-se de legalizar os jogos de azar e destinar à saúde parte da receita advinda dos impostos aplicados a esse negócio, ou de retomar a proposta de criação da Contribuição Social da Saúde.

Do ponto de vista da luta pelo fortalecimento do SUS, parece importante, nesse momento, concentrar esforços na exigência da regulamentação da EC-29. Deve-se ter claro, todavia, que o projeto pronto para votação na Câmara só resolve o primeiro dos dois pontos dúbios da EC-29. Ou seja, a União não ficará comprometida a aumentar significativamente o aporte de recursos à saúde. Apesar disso, é importante ter a regulamentação aprovada na Câmara, pois há a possibilidade de modificá-la no Senado, inclusive retomando-se o projeto de lei do ex-senador Tião Viana, que define em 10% do orçamento o mínino que a União deve aplicar na saúde.

A rigor, não é necessário ter novas fontes de receita para alocar mais recursos para a saúde. A experiência da CPMF mostrou que a questão é de prioridade política e não da existência de uma fonte específica. Contudo, não parece ser o caso se opor à criação de novas fontes, se for a condição para conquistar maior financiamento para o SUS.

A luta por mais recursos para a saúde não deve, no entanto, se limitar à regulamentação da EC-29. Também é preciso lutar pelo fim da incidência da Desvinculação de Recursos da União (DRU) sobre o orçamento da saúde, coisa que a Educação conseguiu em 2010. Em médio prazo, deve-se buscar um rateio federativo dos recursos que leve em conta as diferentes realidades sócio-sanitários das regiões do país, conforme reza o artigo 35 da Lei 8080/90. Estrategicamente, devem-se ampliar para 10% do PIB os recursos investidos na saúde, sendo ao menos 75% de recursos públicos. Alcançar tal meta requer, certamente, mudanças nas políticas econômicas. Em 2009, quase metade (45%) do orçamento geral da União foi destinada ao pagamento de juros, amortizações e refinanciamento da dívida, enquanto para a saúde foram alocados pouco menos de 4%. Nada justifica tanto privilégio para o capital financeiro, ainda mais em detrimento da saúde da população.

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