Lula Marques/Folha
O governo não cogita promover nenhuma elevação imediata dos investimentos em saúde pública. Quer jogar o debate para um futuro longínquo.
Esboça-se
uma estratégia para evitar que, ao votar o projeto que regulamenta o
setor, o Senado eleve a participação da União no borderô da saúde.
A
proposta que a Câmara aprovou na última quarta (21) é uma versão
piorada de um texto que o Senado aprovara em 2008, por unanimidade.
O
autor da proposta é o ex-senador Tião Viana (PT-SC), hoje governador do
Acre. Na parte à parcela da União no financiamento da saúde, previa-se
um tônico.
Hoje,
Brasília é o obrigada a destinar à saúde algo como 7% da arrecadação de
tributos. Tião propusera e o Senado aprovara a elevação para 10%.
Na
Câmara, caíram os 10%. Restituiu-se a fórmula que leva aos 7% (o
montante do ano anterior, acrescido da inflação e da variação do PIB).
O senado não pode introduzir novidades na proposta que a Câmara aprovou. Porém...
Porém, o regimento autoriza os senadores a restituírem –parcial ou totalmente— o texto que o Senado aprovara três anos atrás.
Assim,
se quisesse, o Senado poderia ressuscitar o pedaço do texto de Tião
Viana que fixava em 10% da arrecadação federal os investimentos da União
em saúde.
O
problema é que o governo torce o nariz para a ideia. Por quê? Segundo
disse ao repórter o senador Humberto Costa (PE), líder do PT, “não há
folga no Orçamento”.
Ex-ministro
da Saúde, Humberto estima que, adotada a fórmula de Tião, as despesas
do governo saltariam de cerca de R$ 72 bilhões para R$ 105 bilhões ao
ano.
Como
não há “folga” orçamentária, disse Humberto, resta aos governistas do
Senado buscar, por meio de “um amplo debate”, outras saídas. Algo que
leva tempo.
A oposição prepara-se para constranger o PT, pregando a volta dos 10% que o petista Tião propusera.
Alega-se
que não fica bem para o Senado recuar de algo que já aprovou.
Recorda-se que até ex-senadora Ideli Salvatti (PT-SC), hoje ministra de
Dilma Rousseff, votou a favor.
Para
brecar os movimentos da oposição, o governo vai acionar sua maioria.
Líder de Dilma na Câmara, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) compara:
“O Senado de hoje não é o mesmo de ontem. Agora, a situação do governo no Senado é igual à da Câmara, talvez melhor”.
A
bancada de senadores do PT, a segunda mais numerosa do Senado, esboçara
uma estratégia que previa adiar para 2012 a votação do projeto da
saúde.
Até
lá, explica Humberto, seria feito um “amplo debate” sobre fontes extras
de financiamento. Essa tática deve sofrer alterações.
Humberto
vai sugerir ao governo que estimule a votação, ainda em 2011, do texto
que acaba de chegar da Câmara. Sem alterações, exceto uma.
Deseja-se
suprimir um artigo introduzido pelos deputados que resultou na
subtração de algo como R$ 6 bilhões anuais do já escasso orçamento da
saúde.
A
verba sumiu porque os deputados dimimuíram o bolo de tributos do qual
os Estados retiraram a fatia de 12% que são obrigados a servir à saúde.
Retirou-se
da conta a parte da arrecadação estadual que se destina ao custeio do
Fundeb, o fundo de desenvolvimento do ensino básico.
Devolvendo-se
a arrecadação do Fundeb à base de cálculo, uma correção que o regimento
autoriza os senadores a fazer, voltam os R$ 6 bilhões.
De resto, diz Humberto Costa, o projeto da Câmara permaneceria inalterado.
E quanto ao problema do subfinanciamento da saúde, estimado pelo ministro petista Alexandre Padilha em R$ 45 bilhões?
Bem, essa parte da encrenca, diz Humberto, teria de ser resolvida por meio de outra proposta, um projeto de lei complementar.
Falta
definir o essencial: a origem da verba extra. Humberto recorda que a
proposta que chega da Câmara carrega a CSS, tributo que recria a CPMF.
Os deputados derrubaram a base de cálculo do tributo, inviabilizando a cobrança. Mas a CSS continua no texto.
Em
tese, pode-se apresentar um novo projeto instituindo uma alíquota para a
CSS, o que viabilizaria a cobrança do tributo. Porém...
Porém,
como admite o senador Humberto, “não há, hoje, clima para aprovar um
novo imposto. A sociedade precisaria ser convencida.”
O
governo não tem a intenção de tomar a iniciativa de editar o tal
projeto de lei complementar. Tampouco surgiu senador ou deputado
disposto a fazê-lo.
Ainda que surgiosse um congressista corajoso, a proposta começaria a tramitar do zero. Teria um longo caminho a percorrer.
Correria
pelas comissões da Câmara e do Senado antes de ser submetida aos
plenários das duas Casas. Numa visão otimista, não sairia antes de 2013.
Os pessimistas jogam a coisa para 2016.
Ou
seja: a menos que surja uma mágica financiera, a clientela do SUS deve
continuar submetida ao atendimento precário por um bom tempo.
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