domingo, 2 de outubro de 2011

Quando o SUS salva o plano de saúde

Médicos reconhecem que são cada vez mais vez comuns casos de pessoas que pagam plano de saúde e são obrigadas a recorrer ao SUS, por deficiência das próprias operadoras, que terminam economizando no atendimento

Na madrugada do sábado 24 de setembro a aposentada Maria de Lourdes Moura, 69 anos, recebeu uma ligação. O recado era que seu filho, o também aposentado Paulo Roberto de Moura Filho, 51, havia caído no chão, tido convulsões e estava desmaiado. Foi socorrido pelos Bombeiros, que o levaram para o Hospital da Restauração, referência em neurologia. “Fomos recebidos muito bem pela equipe do doutor Marcelo Maia. No HR meu filho fez todos os exames, tomografia, recebeu oxigênio”, relatou a mãe, à beira da cama da enfermaria neurológica onde se o filho se recuperava, ainda inconsciente, terça-feira passada. A diferença de dona Maria de Lourdes e Paulo Roberto para as outras pessoas que estavam naquela sala do hospital público é que os dois pagam mensalmente por um plano de saúde.

No fatídico sábado, a mãe passou horas ao telefone tentando marcar a ambulância do plano para acudir seu filho. Recorreu aos Bombeiros. Mãe e filho foram a um hospital particular, mas o médico se declarou incompetente para tratar da enfermidade identificada como neurológica. “Na hora que a gente mais precisa não tem o serviço. Eles (o plano) dizem que só têm duas ambulâncias, fiquei perdida”, diz.

Cada vez mais, pessoas que têm despesas mensais com planos de saúde terminam recorrendo ao Sistema Único de Saúde (SUS) porque as operadoras negaram atendimento, próteses, órteses ou remédios caros. O SUS é um serviço para todos os brasileiros, mas quando um assegurado de plano de saúde é atendido pela rede pública, as empresas que deveriam estar arcando com a despesa em hospitais particulares estão ganhando duas vezes: recebem do cliente e economizam no atendimento. Os médicos reconhecem que casos assim são cada vez mais comuns, mas falta controle do próprio Estado.

“Não temos números sobre isso. A lei que obriga as operadoras a ressarcir o SUS já existe, mas o sistema público não registra os casos assim”, relata o ex-diretor do HR, o médico João Veiga. O diretor de Oncologia do Hospital Oswaldo Cruz (HOC), José Júlio de Andrade, confirma e diz que nos casos de atendimentos de referência, como o do câncer, acontece com mais frequência. “Muita gente recorre ao Oswaldo Cruz porque quimioterapia é um tratamento caro, alguns chegando a R$ 100 mil por mês. O plano não aprova”, comenta.

Para o médico Luiz Eduardo Correia Neto, o problema são os planos de saúde que oferecem produtos pelos quais não podem bancar. “Ha empresas que cobram R$ 800 para uma pessoa idosa e outras que cobram R$ 60. A segunda não terá como arcar com procedimentos caros, vai negar. A ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] sabe disso e deixa os planos atuarem no mercado”, critica. O cirurgião oncológico Tarcísio Reis, que também atende no HOC, a questão é que muitos planos não têm médicos credenciados para atender doenças específicas, como acontece com o câncer. “O Sassepe, por exemplo, não possuir cirurgião oncológico. Outros planos como o Santa Clara também não têm ou há hospitais que não têm estrutura para atender. Por isso muita gente com câncer recorre ao SUS”, salienta.

Foi o caso do técnico em eletrônica Henrique da Silva, de 26 anos. Ele deixou o plano de lado, pelo qual pagava pouco mais de R$ 60, depois de perceber que a liberação de medicamentos para tratamento de seu câncer demorava mais que se fosse enfrentar as burocracias do SUS, com guias de solicitação e idas e voltas à Fusam. No ano passado ele precisava de instrumentos para uma cirurgia decorrente do câncer, incluindo grampeador linear e cola biológica. Recorreu ao plano. “Demorou mais de três meses para o plano liberar, e só o fez porque a Justiça mandou”.

A aposentada Maria do Perpétuo Socorro também enfrentou problemas parecidos de liberação de medicamento quando estava tratando de seus câncer de mama há alguns anos. Tomou por 14 anos as drogas Tecnotax e Novaldex, tudo bancado pelo SUS, mesmo ela arcando com planos.

Questões como esta levantam a questão de qual é o limite para um cliente particular e ao mesmo tempo cidadão brasileiro ser atendido nas instituições públicas. “O atendimento do SUS é universal, portanto, esses despesas são próprias dele, já que não há como discriminar quem paga de quem não paga planos de saúde”, opina o médico do Hospital Miguel Arraes, Caio Souza Leão.

Não é isso que pensa o Ministério da Saúde. “Mudamos a lei relativa ao ressarcimento para o SUS, a 12.469/2011. Agora é a ANS que deve repassar ao Fundo Nacional de Saúde o dinheiro cobrado dos planos que se utilizaram do SUS”, diz o chefe de gabinete do Ministério da Saúde, Mozart Sales.

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