sexta-feira, 8 de julho de 2011

O SUS está morto. Viva o SUS!

“O cerne da questão é o sistema de saúde que queremos e se o que temos (o SUS) está em crise e não está respondendo às necessidades de saúde e melhorando a qualidade de vida da população. Devemos ter o cuidado de não confundir os termos do debate: o sistema único de saúde é muito mais que assistência médico-hospitalar”. E mais: saiba como as OSS já estão atingindo as redes de hospitais do Mato Grosso.

É necessário um amplo debate público sobre a proposta do novo governo, de transferir a gestão dos hospitais regionais para as Organizações Sociais. Em relação aos temas de interesse público, como a saúde pública, todos têm o direito de se manifestar e a melhor decisão sempre será produto da deliberação coletiva e democrática, nos ensinam os teóricos da moderna democracia. Portanto, os trabalhadores da saúde e os usuários podem e devem opinar sobre o tema. A norma legal do SUS obriga a prévia deliberação no conselho de saúde para a tomada de decisão.

A questão que está em jogo não é o modelo das organizações sociais, que não passa de mais um dos tantos modelos de gestão que aparecem de tempos em tempos como panacéia para todos os males. O cerne da questão é o sistema de saúde que queremos e se o que temos (o SUS) está em crise e não está respondendo às necessidades de saúde e melhorando a qualidade de vida da população. Devemos ter o cuidado de não confundir os termos do debate: o sistema único de saúde é muito mais que assistência médico-hospitalar.

Em relação ao problema assinalado pensamos que o SUS no Brasil e em Mato Grosso tem acumulado bons resultados em muitas áreas, como a promoção da saúde e a prevenção de doenças: a eliminação do sarampo, da paralisia infantil, o enfrentamento exitoso da epidemia de AIDS e da “gripe asiática”, são alguns exemplos. O SUS é bem sucedido no modelo da atenção primária com o programa de saúde da família, que contribuiu para a diminuição da mortalidade infantil e o controle de hipertensos e diabéticos, entre outras patologias, e por extensão, para a diminuição das taxas de internação hospitalar nestes casos. Poderíamos citar muitos outros exemplos de sucesso do SUS, mas nosso objetivo aqui é apenas situar melhor o objeto do debate.

“Devemos ter o cuidado de não confundir os termos do debate: o sistema único de saúde é muito mais que assistência médico-hospitalar”

Por outro lado, há sérios problemas de saúde pública que afligem a população do Estado e do país, uma parte deles inegavelmente resultado da má gestão do sistema público de saúde, sobretudo daqueles relativos à assistência médico-hospitalar. Entretanto é necessário qualificar o que se entende por sistema público de saúde: o SUS em Mato Grosso abrange o conjunto de sistema e serviços de saúde (postos e centros de saúde, ambulatórios, laboratórios, pronto-socorros, policlínicas, unidade de reabilitação física, centros de atenção psicossocial, hospitais gerais e especializados) municipais, estaduais, federais, além dos privados e filantrópicos contratados pelo sistema. Na área da assistência médico-hospitalar o SUS conta com aproximadamente 180 estabelecimentos hospitalares e disponibiliza em torno de 5.200 leitos para a população, dos quais em torno de 70% são privados ou filantrópicos e 30% estão na esfera da administração pública federal, estadual e, sobretudo, municipal. Os quatro hospitais regionais sob gestão do governo estadual não totalizam nem 10% dos leitos do SUS em Mato Grosso. Pergunta-se: como podem 4 hospitais com menos de 10% dos leitos disponíveis serem responsáveis pela crise do modelo? Como perguntar não ofende, qual modelo de gestão está em crise, o público ou o privado? Será que o financiamento do sistema e os valores pagos pelos procedimentos são suficientes? E ainda, qual a política de saúde para enfrentar os problemas cada vez mais assustadores decorrentes da violência, do envelhecimento da população, das patologias crônicas que se transformaram em epidemias, como obesidade e depressão, hipertensão e diabetes, do uso abusivo de álcool e drogas? As organizações propostas resolvem estes problemas?

Finalmente uma última questão importante para tematizar. Os modelos de gestão propostos como alternativas à gestão pública, têm um ponto comum que é o trabalho precário, ou seja, a “flexibilização” dos vínculos empregatícios. Cabe assinalar que os sistemas públicos universais de saúde, modernos e bem sucedidos, apoiam-se em trabalhadores de saúde bem formados e remunerados, com políticas de educação permanente que atualizam o conhecimento técnico-científico e a atitude ética no trabalho. Também são fortalecidos os compromissos com os valores democráticos no trabalho e na relação com a população.

por Júlio S. Muller Neto, médico sanitarista e professor do ISC/UFMT


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