terça-feira, 18 de outubro de 2011

Cesarianas chegam a 30% no SUS e mais de 77% na rede privada de BH

Baixa remuneração e formação médica insuficiente levam ao aumento que eleva riscos para saúde da mulher e do bebê 

A menos de quatro anos do prazo acertado em 1990 pelo governo brasileiro com a Organização das Nações Unidas (ONU) para reduzir o índice de mortalidade infantil e melhorar a saúde materna, um importante fator para cumprir a meta vem sendo deixado de lado em Belo Horizonte: a redução do número de partos cesáreos. Considerada um procedimento que, sem indicação adequada, pode trazer complicações para a saúde do bebê e da mãe e até levar à morte, a cesariana tem sido cada vez mais recorrente nas mesas de blocos cirúrgicos das unidades de saúde da capital, especialmente na rede privada. Enquanto a taxa recomendável pela Organização Mundial de Saúde é de 15%, as cesarianas chegam a 30% no Sistema Único de Saúde e até de 77% na rede suplementar.
Distante de dar sua contribuição para o Brasil atingir o acordo pactuado com as 191 nações da ONU, Belo Horizonte divide a responsabilidade com outros estados, já que a realidade nacional não é diferente. No SUS de outras capitais, como São Paulo e Brasília, as cesarianas ficam em torno de 32% e 37%, respectivamente. Os dados do Rio de Janeiro (56%) e Fortaleza (66%), assim como de outras capitais também estão bem além do tolerável pela OMS, o que fez a média nacional chegar a 37%, a maior do mundo.

O problema é reconhecido pelo secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Helvécio Magalhães, que lamenta o recorde brasileiro. “A cesariana tem indicações e deve ser feita, mas estar com números tão acima do determinado pela OMS é muito ruim, porque aumenta os riscos para a saúde da mulher, os índices de prematuridade da criança e o baixo peso, que pode prejudicar o desenvolvimento do bebê, com influências até mesmo na vida adulta”, afirma.

Plantão
A conta multifatorial, conforme Helvécio Magalhães, está dividida entre questões financeiras, organização do trabalho e formação médica: “O tempo de trabalho de parto não é levado em conta na remuneração. O valor pago pelo procedimento normal e pela cesariana é praticamente o mesmo, mas o tempo do parto natural é imprevisível, pode durar nove horas”. Isso explica, segundo o secretário, a opção pelo método operatório, que pode ser agendado na rede privada e durar de uma a duas horas, já que a paciente da rede suplementar não abre mão de ser atendida por ele. Ao contrário, na rede SUS, a grávida é atendida pela equipe de plantão.

O valor pago ao médico por parto normal no SUS é apenas R$ 25 a mais do que a cesariana e varia de R$ 175 (normal) para R$ 150 (cesáreo). Na rede particular, não há diferença e o valor médio de R$ 1.000 é pago nas duas modalidades. Nos planos de saúde, que também não fazem distinção, os valores oscilam entre R$ 500 e R$ 1.500.

A coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde, Sônia Lansky, também alerta para um fator que tem marcado as relações de saúde em BH: “Cada vez mais, as mulheres têm migrado do SUS para a rede suplementar. E é no modelo privado de assistência que estão os maiores índices de cesarianas”. Em 2006, 34,7% dos partos de BH foram feitos na rede privada, número que saltou para 42,2% em 2010 e se mantém neste ano.

Outra questão para o crescimento da cesariana é que há problemas graves na formação do profissional, como explica Helvécio Magalhães. “Estudantes de medicina se formam sem fazer um parto normal. Ele não vai fazer depois um procedimento que não aprendeu”, diz. O secretário alerta ainda para uma “contaminação” do desejo da mulher, que inicialmente opta pelo parto normal.

Ele alerta que o fundamental é insistir no parto normal como primeira opção, deixando a cesariana para exceções. A situação ocorreu com a publicitária Paloma Siqueira Taioba Vieira, de 23 anos, que não tinha preferência pelo tipo de parto, mas foi levada a fazer uma cesariana na quinta-feira por causa de um princípio de diabetes gestacional identificado no sexto mês. “Tenho a impressão de que o parto cesáreo é mais seguro. Além disso, ao marcar a data pude ser atendida pelo médico que me acompanhou. Não sofri nem mesmo fiquei insegura e com medo de algo dar errado”, conta a publicitária, que deu à luz na Maternidade Santa Fé, no Bairro Santa Tereza, na Região Leste da capital.

Riscos
Em um leito do outro lado do corredor da mesma maternidade, a gerente de produção Simone Gomes Costa, de 37, festejava o bom estado físico poucas horas após passar pelo parto normal. “Estou ótima. Já desci da cama sozinha, amamentei e fui ao banheiro. Estou com pontos que não precisam ser retirados, pois são absorvidos pelo organismo. Estou supersatisfeita em ter feito parto normal”, conta.

A explicação para a escolha pela cesariana é confirmada pelo diretor da Maternidade Santa Fé, Mauro de Ávila Leite. “Estamos vendo nos números o reflexo do modelo de saúde que se escolheu para o país. O médico não é valorizado pelas horas que dedica à paciente em trabalho de parto, pela qualidade do serviço, pela garantia da saúde do bebê não só no momento do nascimento, mas em sua vida adulta”, diz.

Na unidade, os índices de cesariana e partos naturais foram se invertendo ao longo dos anos. “Na década de 1990, o total de partos era dividido pela metade nas duas modalidades. Atualmente, 75% são de cesáreas e apenas 25% normais. No entanto, nossas taxas de mortalidade sempre foram abaixo de 1%”, garante.

Alta preocupa setor privado
Até mesmo no setor onde as cesarianas chegam a 90%, a alta do número de partos é vista como preocupante. Segundo a gerente geral de Regulação Assistencial da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Marta Oliveira, a agência faz campanhas e estimula as operadoras a diminuir as taxas de parto normal, mas há dificuldades para a operadora também. “Algumas experiências de remunerar melhor o parto normal têm sido bem sucedidas, mas ainda são insuficiente.

Também há programas de atendimento da paciente por um grupo de médicos e equipes multidiscilplinares para que ela seja atendida por algum deles no momento do parto”, afirma Marta. A medida poderia ser uma solução, conforme a gerente, tendo em vista o fato de a mulher da rede privada ter vínculo com o obstetra que a acompanha na gestação.

Enquanto a saída não chega, o SUS vem investido em práticas mais humanizadas para o momento do parto, como explica a coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde, Sônia Lansky: “Durante o trabalho de parto, a mulher precisa estar o mais perto possível do ambiente familiar, tem que ter ambiência, decidir se quer ter um acompanhante. Ela deve andar, tomar banho, fazer exercícios com a bola do nascimento, agachar usando a barra de apoio e o banquinho. Deve estar em um local que não seja frio e que a tranquilize”, diz. Segundo ela, esse modelo já vem sendo desenvolvido em duas unidades de saúde da rede pública em Belo Horizonte, com previsão de ser ampliado. 

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